"(...) Com quinze
quilômetros para andar, um homem tem seu vagar a pensar, dá balanço à vida
(...) o tempo aqueceu, a mochila já não pesava muito, mas bambeava escorregando do ombro, aqui me sentei a
descansar, uns tantos metros fora da estrada, não longe, mas coberto, estendi
dobrada a manta por causa da umidade do chão, pousei a cabeça na mochila e
adormeci, tinha tempo para chegar onde quero. Sentou-se neste instante
ao pé de mim uma velha muito velha, é pouca sorte minha e o que vale a ela,
mas a mim não sei que me valia, a força que ela tinha, seria feitiço, pegou-me
na mão, dizendo: não casarás nunca mais, nem terá mais filhos, farás cinco
grandes viagens a longes terras e arruinarás a tua saúde, não terás terra tua a
não ser da sepultura, não és mais do que os outros, e terás mesma essa sorte
pelo tempo de seres pó e coisa nenhuma, a não ser os ossos que sobram, iguais
aos de toda a gente, que irão parar a qualquer lado, aí não chega minha
adivinhação, mas enquanto vivo não farás nada mal feito, ainda que te digam o
contrário, e agora levanta-se que são horas. Mas sabendo que eu estava a
sonhar, fiz de contas que não ouvi a ordem e deixei-me continuar a dormir. Por
isso não dei conta que à minha beira também estivera uma princesa a chorar e
que pegando em minha mão duríssima e calosa, ainda que tão jovem, tão jovem
era (...) E então tendo esperado tanto, retirou-se a princesa arrastando sobre os
tojos e as estevas o cetim do seu vestido, e por isso ao acordar, estava o
mato coberto de flores brancas que antes não vira. (...)”
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